sexta-feira, 21 de setembro de 2007

O Caixão de Esmola.

Capítulo 1
O Gambito do Caixão.
(Esta é uma obra de ficção e qualquer coincidência com nomes ou fatos é mera casualidade.)

Gesualdo estava chegando ao seu ponto preferido, ao lado do Banco do Brasil, e ainda estava ajeitando seus apetrechos de mendigo esmoleiro, e começava a se sentar para começar mais um dia de trabalho quando avistou uma senhora bem aparentada, com cara de bondosa e pensou para consigo mesmo:
- Essa tem cara que vai render uma boa grana; - e logo cantarolou choroso:
- Uma esmola pelo amor de Deus.....
- Você quer esmola pra quê? - replicou a senhora com cara de bondosa.
Esmola pra quê?? Esses contribuintes estão cada vez mais inoportunos, isso é pergunta que se faça a uma hora dessas, pensou Gesualdo.

- Eu quero esmola para....para.....
Faltava-lhe a palavra adequada, aquela pergunta feito logo cedo, 11 da manhã, o cérebro de Gesualdo ainda não estava devidamente ajustado às respostas padrão que seu ofício exigia, ele ainda estava sonolento, e o raciocínio estava lento.
- Sim esmola pra que meu bom homem? Insistia a senhora.
- Eu quero uma esmolinha pelo amor de Deus para...para... para...
Comprar cachaça! Não, não, isso não, Gesualdo pensava desesperado:
"Meu Deus o que eu digo" - o cérebro começava a funcionar com a lentidão de uma lesma bêbada e a senhora ali, olhando insistentemente, ela poderia ir embora a qualquer instante se ele não respondesse rapidamente, esmola é uma coisa de impulso, todo bom marketeiro e mendigo sabe disso, pra quê afinal de contas ele queria aquela esmola... e então não se sabe de que região de sua mente saiu a resposta.
- Eu quero a esmola pra comprar um caixão!

- Um Caixão?? Novamente pergunta a senhora espantadíssima.
- Um caixão?!
Pergunta e responde mais espantado ainda Gesualdo.
De onde raios ele havia tirado este caixão, esmola pra comprar um caixão, definitivamente ele concluía que este tal de álcool faz mal, isso é desculpa que se apresente? Esmola pra comprar um caixão??

- Meu bom homem você quer esmola pra comprar um caixão? Novamente a senhora com cara de bondosa torna a perguntar.
Gesualdo petrificado, mudo, com os olhos vidrados, travava uma luta brutal no seu interior para conseguir colocar sua mente para trabalhar, tentava desengripar as engrenagens do seu cérebro ainda entorpecido pelo álcool da noite anterior. Estava ele mais desnorteado que a senhora com esta estória de comprar um caixão. E assim permanecia mudo.

- Você quer comprar um caixão pra você?
Mais uma vez a senhora perguntava ,mais que coisa, será que esta mulher só sabe perguntar, cogitava Gesualdo já irritado com tantas perguntas e nada de esmola, nisso a irritação pelas perguntas e pelo absurdo do motivo que ele elegeu, fez com que despertasse mentalmente e voltasse já a sagacidade necessária à sua faina.

- Eu quero sim comprar um caixão, o caixão não é para mim, é para um amigo, coitado morreu antes de ontem e ainda não foi enterrado por falta do caixão.
- Mas o serviço social da prefeitura providencia o enterro.
Finalmente a mulher fez uma afirmação ao invés de uma pergunta, de qualquer forma foi uma afirmação que em nada contribuía para conseguir a tão desejada esmola.

- Sim, retrucou Gesualdo, o serviço social providencia realmente o enterro, mas a senhora sabe a prefeitura está sem dinheiro, estive lá e me disseram que não dispõem de verbas para comprar caixões e estão sem nenhum no momento, talvez no semestre que vem se a lei de dotação orçamentária for aprovada, eles disseram.
- Mas é um absurdo, um pobre coitado morre e estes malditos políticos com suas burocracias.
- Pois é.....estou sofrendo muito... era muito meu amigo... o..., o... , o morto, coitado..
- É, a gente tem que fazer a nossa parte, eu vou te ajudar. Disse decididamente a senhora.
Gesualdo vibrava, finalmente, conseguiu se desvencilhar daquela estória esdrúxula e ainda ganharia a esmola.
A senhora abriu a bolsa, Gesualdo já mecanicamente estendia a mão à espera da esmola, quando a senhora sacou de um cartão de visitas e disse:
- Vem comigo, vamos até ali, a senhora com cara de bondosa conferiu o endereço no cartão e prosseguiu, vamos naquela funerária, logo ali na próxima esquina.
- Funerária? Pra quê? Pergunta estarrecido Gesualdo.
- Como pra quê? Pra comprar o caixão.
- Caixão?? Que Caixão? Nisso Gesualdo se dá conta que tinha pegado a mania da mulher de fazer perguntas, e pior, estava fazendo perguntas inadequadas e comprometedoras.
- Ora meu bom homem, eu vou comprar o caixão para seu amigo morto.
- O Caixão? Para o meu amigo morto? Sim o caixão, sim, sim o meu amigo morreu, está morto, não vive mais, está mortinho coitado, precisa do caixão.
A mulher olhava para Gesualdo compadecida dele, aquele pobre homem estava visivelmente perturbado com a morte de seu amigo e necessitava decididamente da ajuda dela e então carinhosamente, mas de maneira imperiosa disse:
- Acompanhe-me, vamos até a funerária.
- Mas a senhora não precisa comprar o caixão não, basta me dar uns trocadinhos...
- Não senhor, faço questão de oferecer o caixão.
- Não, não precisa de tudo isso, que Deus a ajude, à senhora e toda a sua família, só uns trocados, umas moedinhas já me ajudam bastante...
- Vamos me acompanhe, já disse, vou comprar o caixão para seu amigo e ponto final. Além disso, conheço o dono da funerária e ele, com certeza, vai me dar um desconto na compra do caixão.

E assim Gesualdo acompanhou a mulher com cara de bondosa até a funerária, e não conseguia encontrar nenhum argumento para convencê-la a lhe dar uns trocados e esquecer a idéia estapafúrdia de comprar o caixão.
- E desta maneira aconteceu que Gesualdo escolheu um belo caixão para seu inexistente amigo morto, a mulher pagou o caixão e disse:
- Bem e agora onde está seu amigo?
- Que amigo? Pergunta Gesualdo distraído enquanto observa o belo caixão.
- O amigo morto!
- Que morto? Responde enquanto passa os dedos sobre as flores em alto relevo entalhadas na tampa do caixão.
A mulher com cara de bondosa pensa consigo mesma: isto é que é amizade de verdade, o pobre coitado não consegue aceitar que seu amigo morreu, está a apreciar o caixão. Nisso Gesualdo como que despertando de sua letargia mental responde atabalhoadamente à pergunta

- Sim meu amigo o morto, sim ele coitado morreu, a senhora sabe, o morto, ele... ele está lá morto.....
- Sim mas está lá morto onde?
- No nosso acampamento na saída da cidade, indo pra Tupaciguara...
- Então vamos levar o caixão até lá estou com minha caminhonete, vamos lá.

Gesualdo nem ousou discutir, pois a mulher falava como se tudo já fosse fato consumado, além disso, já tinha tentado dissuadi-la antes e não teve êxito, pensou que o melhor seria aproveitar o tempo de viagem e pensar em alguma coisa. Colocado o caixão na carroceria da caminhonete, lá se foram, o trânsito estava tranqüilo, seguiram pela avenida Rondon Pacheco, e em poucos minutos deixavam já a cidade de Uberlândia em direção à Tupaciguara, Gesualdo pensava, pensava e pensava, então nisso anuncia:

Está bom, a senhora pode me deixar aqui.
- Mas aqui no meio da estrada? Cadê o acampamento?
- Lá... e apontou mostrando uns pedaços de lona a alguns quilômetros retirados da estrada.
- Ora mas então eu te levo até lá....
- Não, não senhora, eu agradeço, mas acontece é que meu amigo foi morto num acidente de automóvel e foi justamente uma caminhonete que o matou, daí não gostaria que a família do morto visse uma caminhonete chegando com um caixão.
- Humm, tem razão, tem razão é por demais triste, pois bem vá com Deus.
- Muito agradecido bondosa senhora vá com Deus.

Gesualdo desceu o caixão, a senhora com cara de bondosa vez meia volta e foi-se embora.
Sob os céus de Minas Gerais, na estrada Uberlândia - Tupaciguara, se viu então uma cena insólita, um mendigo maltrapilho, com ataduras com tingimento vermelho nas pernas, caminhava cambaleante estrada afora com um caixão de luxo nas costas...

Gesualdo sai da estrada e entra então no caminho de terra que leva ao acampamento, de cansaço já não carrega, mas arrasta o caixão que levanta atrás de si uma leve poeira vermelha fina, típica do mês de agosto.
O burburinho do acampamento de repente cessa, quando Gesualdo e seu caixão aparecem.
Espanto geral. Era comum os outros mendigos do acampamento aparecerem com coisas incomuns para eles e suas necessidades, coisas como banheiras, pneus, sofás, fogões, eram incomuns, mas ainda assim encaixavam-se dentro da categoria dos incomuns comuns e normais, agora, um caixão realmente era incomum e a primeira vez que tinham notícia de um mendigo que tinha ganhado esmola tão exótica.

- O que que é isso? Pergunta Brutonaldo, assim apelidado por ser o irmão mais forte, bronco e bruto de Gesualdo.
- Um caixão não está vendo? Responde irritado Gesualdo.
- Quer levar um murrão nas fuças? Tô vendo que é um caixão, prá que isso? Retruca com a polidez de sempre Brutonaldo.
- Você vai morrer Gesualdo? Indaga Zé Pamonha.
- Não, não vou morrer...
- Como não, todo mundo morre um dia. Interrompe João Isqueiro.
A única certeza que temos nessa vida é que vamos morrer, diz completando o ditado.

- Como você sabe que todo mundo morre um dia? Heim? Questiona veementemente Justim.
- Mas é claro que todo mundo morre, se nasceu tem que morrer! Aparta Brutonaldo.
- Mas não se segue que de determinada ação surja determinada conseqüência, não podemos afirmar "a priori" que tudo que nasce morre, esta afirmação é baseada unicamente na experiência e não em uma conclusão lógica, essa conclusão é em suma baseada somente na crença, vemos repetidas vezes que pessoas que nascem morrem e daí por pura crença deduzimos que tudo que nasce morre. Da mesma forma que após a noite vem o dia, e assim se repete por anos e anos, deduzimos que após esta noite amanhã virá o sol, mas isto é pura crença, pois não há nenhuma certeza que haverá um amanhã ou uma manhã, pois esta noite um cometa pode arrasar o planeta e não haver o dia seguinte, por exemplo.
Isto já dizia David Hume no seu Tratado Acerca do entendimento Humano, tratado o qual levou Emanuel Kant a escrever a Crítica da Razão Pura e a a despertar do seu sono dogmático conforme....
- Poooff.
Foi o som seco que se ouviu quando Brutonaldo acertou um soco direto no queixo de Justim que caiu desacordado. A eloqüência e os estranhos argumentos de Justim são explicados pelo fato que seu ponto de mendigar é na UFU, Universidade Federal de Uberlândia, na faculdade de Filosofia e assim entre uma esmola e outra acaba por assistir um pouco às aulas ou as conversas dos aspirantes a filósofo.

- É o seguinte Gesualdo, fala por que deste caixão e não enrola; Adverte Brutonaldo.
- Eu ganhei o caixão de esmola.
- Mas deixa de ser burro Gesualdo como que você pede um caixão.
- Você vai morrer Gesualdo? Insiste desconfiado Zé Pamonha.
- Pelo amor de Deus eu não vou morrer.
- Há..., mas todo mundo morre um dia, sentencia João Isqueiro.
- Vai morrer é um murrão na boca de quem não deixar Gesualdo terminar de falar; Media Brutonaldo.
- Tudo bem, vou contar a história desde o começo; Gesualdo narra então todo o acontecido e ao final o veredicto é unânime:
- Gesualdo, mas você é um burrão mesmo.
- E agora, o que a gente vai fazer com este caixão? Diz esfregando as mãos Zé Pamonha.
- Vamos fazer um gambito - Retruca Lucanor.
- Gambito? o que é isso pergunta Arnaldo, o irmão mais apalermado ainda de Gesualdo.
- Lucanor estufa o peito e ensina: Gambito é quando fazemos uma troca onde aparentemente parecemos sair perdendo, mas na verdade o que acontece é que fazemos um pequeno sacrifício para poder sair ganhando num futuro próximo.
Tal teor de argumento num mendigo como Lucanor se explica pelo fato que seu ponto de mendicância se situa junto ao Clube de Xadrez, lá na praça Sérgio Pacheco, donde vez ou outra até joga algumas partidas do antigo jogo de Caissa.
- Trocando em miúdos, vamos fazer uma catira deste caixão, a gente troca ele por alguma coisa mesmo que for por um preço baixo, é mais negócio que ficar com o capital empatado numa mercadoria sem giro nenhum. Definiu assim Pedro Marx que tinha seu ponto na faculdade de Economia o destino que dariam ao caixão.

E lá se foram estrada afora, rumo à gloriosa cidade de Uberlândia, uma comitiva de mendigos, dentro os quais, seis deles carregavam um luxuoso caixão sob o inclemente sol de agosto.

Os motoristas que passavam certamente contestariam o Eclesiastes com sua máxima que "não existe nada de novo sob o sol", nada de novo só se for lá pelo sol da Palestina, aqui pelo menos era a primeira vez que se via uma legião de mendigos totalmente trajados pra efetuar seu ofício, carregando um caixão de alto luxo, cheio de muletas, cuias, tingimentos vermelhos, faixas e esparadrapos, cobertores e andrajos diversos, isto porque tiveram os mendigos a idéia de colocar seu material de trabalho dentro do caixão já que todos iriam se revezar no carregamento.

Acontece que por aqueles dias havia na cidade alguns jornalistas italianos que tinham vindo para cobrir a instalação do pólo moveleiro da cidade, que seria constituído por algumas indústrias italianas, daí aconteceu que tais jornalistas viram o esdrúxulo episódio dos mendigos e embora este não fosse o objeto de suas reportagens narraram os fatos que foram publicados em um pequeno jornal em Milão, ao mesmo tempo alguns jornalistas locais também noticiaram os fatos na imprensa da cidade e da região.

Aí então as coisas começaram a seguir um rumo inusitado, entram em cena os jornalecos sensacionalistas britânicos, que estavam, depois da morte de Lady Diana, um pouco sem assuntos bombásticos, e além do mais o governo inglês na figura do primeiro ministro Tony Blair estava com o prestígio em baixa, depois que apoiou os mandatários norte americanos a exterminar com milhares de bombardeios aéreos um minúsculo, pobre e faminto país chamado Afeganistão, e depois contra a vontade da maioria da população britânica, os governantes apoiaram novamente os seus colegas governantes norte americanos a invadir e destruir outro país, deste vez o Iraque, com isso toda atenção da população estava voltada para notícias sobre os massacres e as invasões, e a vendagem dos folhetins havia caído, desta forma era necessário arrumar uma notícia para reverter a situação, assim para ajudar primeiramente quem,não se sabe, se para aumentar a popularidade do primeiro ministro e desviar a atenção do povo, ou para aumentar a vendagem dos jornalecos ou ambos, surge a manchete:

BRASIL NÃO ENTERRA SEUS MORTOS.


O que aconteceu, foi que os jornalecos britânicos, buscando fatos para distorcer e fabricar notícias, encontraram com a pequena nota do jornal da cidade de Milão sobre uns pobres coitados andando a pé estrada a fora carregando um morto que não puderam enterrar, dizia o jornal.
Daí para a manchete que o Brasil não enterra os seus mortos foi um milésimo de segundo, se isto era verdade ou não, não interessa, já que “Verdade” é uma questão filosófica e não jornalística.

Pois bem, depois desta manchete, as coisas começaram a ferver na Europa e Estados Unidos, a notícia que em princípio, havia circulado apenas em pequenos jornais, começou a ganhar proporções maiores e chegou aos grandes jornais, ingleses e italianos, países que apoiavam as invasões e os saques dos norte-americanos, contra a vontade da maioria esmagadora da sua população e por isso seria bom para seus governantes que houvesse um assunto que desviasse a atenção do povo chatinho que não sabia ficar calado, quieto, cuidado de sua vidinha. Não se sabe como, talvez devido à repercussão gigante que se deu ao assunto, foi destacado um representante da comissão de direitos humanos da ONU, para investigar o caso, ainda mais porque a ONU, não estava servindo para nada mesmo, já que havia proibido a invasão do Iraque e mesmo assim os norte americanos, que não estão nem aí, foram lá e arrebentaram com tudo, e ainda mais a comissão de direitos humanos, que estavam totalmente mudos, com o fato de milhares de afegãos capturados em seu país e levados a milhares de quilômetros de sua terra natal, para a base norte americana de Guantânamo, onde são sistematicamente e abertamente torturados e estes mesmos comissários da ONU faziam e fazem questão de ignorar o assunto.
Sem falar nos constantes massacres de civis iraquianos que tanto a Onu, quanto todas as demais ONGs de direitos humanos, médicos sem fronteiras, jornalistas sem fronteiras etc, parecem desconhecer o assunto.

Assim em decorrência da invasão norte americana ao Afeganistão e ao Iraque estas organizações ficaram mudas e caladinhas e devido à pressão da opinião pública precisam mostrar serviço pra sobreviver, da mesma forma que os jornalecos britânicos precisam fabricar um fato. Por isso é que veio todo mundo ao Brasil, tudo quanto há de Ongs de direitos humanos, disso e daquilo, ONU, o escambaú, os hotéis de Uberlândia ficaram abarrotados de gente preocupada com os pobres e desvalidos.

Inconscientes do que estava acontecendo os mendigos, através de Gesualdo tentavam vender o caixão, ou fazer um gambito com diria Lucanor, o que fosse possível. Brutonaldo propôs a um dono de bar o caixão por 200 garrafas de cachaça, embora fosse um negócio vantajoso para o comerciante este considerou que seria uma coisa de mau agouro, era como chamar a morte para si, e nada de efetuar a troca. E por este mesmo pensamento, que seria mau agouro, muitos outros negócios não foram concluídos. Já estavam a mais de três dias perambulando pela cidade com o caixão tentando negocia-lo, quando foram redescobertos e abordados por jornalistas internacionais, nacionais, representantes da comissão de direitos humanos da ONU, Ongs das mais diversas facções e lugares. Enfim, era uma horda imensa de gente querendo ganhar e fazer dinheiro com a desgraça alheia.

Abruptamente cercados pela legião das beneméritas criaturas, Gesualdo e Brutonaldo ficaram completamente aturdidos, chovia perguntas, luzes, relampejar de máquinas fotográficas, filmadoras, milhares de gravadores, telefones celulares, os mendigos estavam como numa ilha cercados por todos os lados.
Gesualdo que estava com o cérebro totalmente ativo, sorria e respondia a todos, começava uma resposta interrompia e começava a responder a outras, embora não soubesse o que estava acontecendo, não se fez de desentendido e falava com a desenvoltura de Napoleão discursando para suas tropas.
Nesse ínterim Brutonaldo que era bronco, mas não era bobo, estendia a mão e choroso dizia: uma esmolinha pelo amor de Deus, e como as câmeras das emissoras locais de Televisão estavam ligadas, os estrangeiros tanto os comissários da ONU, quanto das ONGs se apressaram em oferecer as esmolas, alguns diziam a Brutonaldo - " I don't understand you" “i no speak spanish” e continuavam as perguntas a Gesualdo, curiosamente em português.


O certo é que Brutonaldo bateu o maior de todos os índices de esmolas da história da mendicância mundial, em poucos minutos enquanto duraram as filmagens das redes de televisão, caiu mais dinheiro no chapéu do esmoleiro do que bombas inglesas e norte americanas nos museus e hospitais de Bagdá, talvez não tanto, com certeza muito menos, mas mesmos assim foi dinheiro absurdo, estava estabelecido uma nova marca mundial. Brutonaldo contou o dinheiro e estava lá: Três mil, 748 reais e vinte e oito centavos, em pouco menos de 4 minutos.

E da mesma forma que apareceram, os jornalistas e pessoas caridosas preocupadas com os pobres e desvalidos foram embora, pois afinal de contas precisavam fazer seus relatórios, notícias, era preciso fazer dinheiro (ou informar a opinião pública) e saíram pra isso.

Gesualdo e Brutonaldo continuaram na mesma situação que estavam antes, com o caixão e sem saber o que havia acontecido direito. Ficaram as esmolas de Brutonaldo e muitas promessas de um enterro decente para o morto e muitos agendamentos de encontros para o dia seguinte, os quais Gesualdo fez questão de marcar para acontecer no seu acampamento.

Aproveitando que a multidão havia ido embora Gesualdo se achegou perto de uma estudante de jornalismo que ainda fazia anotações e perguntou como ela iria contar a história. Então a jovem contou toda a versão que corria o mundo sobre o Brasil não enterrar seus mortos, a visão que ela teve agora depois das respostas de Gesualdo e como achava que as autoridades brasileiras e internacionais tinham de tratar do caso.

Gesualdo que não tinha a mínima idéia do que estava acontecendo finalmente conseguiu formar um quadro completo da situação, ainda meio obscuro, mas já tinha agora uma visão global da mirabolante comédia que vivia.
Dirigiu-se para o acampamento e expôs a situação para todos os outros mendigos.
(continua...)

Um comentário:

César Camargos disse...

Quando chega o próximo capítulo?